560 médicos sem especialidade no próximo ano. Estudantes exijem um melhor planeamento
- Tiago Serra Cunha
- 9 de dez. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 16 de jan. de 2020
A partir de 2020, quase seis centenas de médicos que já completaram a formação universitária e realizaram o internato comum vão ficar sem vaga para a sua formação na especialidade.

Segundo a Administração Central do Sistema de Saúde, serão cerca de 2394 os médicos em internato geral que em junho de 2020 vão escolher a especialidade que pretendem seguir depois da formação geral universitária. No entanto, Edson Oliveira, Presidente do Conselho Nacional do Internato Médico da Ordem dos Médicos, revelou à agência Lusa que no próximo ano foram estipuladas 1830 vagas em locais idóneos (ou seja, que reúnem todas as condições necessárias) para a formação de médicos.
Essas vagas para especialidade são abertas pelo Ministério da Saúde, tendo em conta as indicações da Ordem dos Médicos no que diz respeito às capacidades de formação identificadas nos serviços de cada hospital e nos centros de saúde. A capacidade formativa é decidida em função de critérios que incluem a quantidade de médicos especialistas ou a organização do serviço, de forma a garantir a qualidade da formação.
Assim sendo, cerca de 600 médicos vão ficar sem vaga para a sua formação na especialidade, mesmo após o término dos seis anos de formação e da realização do internato comum. Em entrevista ao Ponto e Vírgula, Francisco Mourão, membro do Conselho Nacional do Médico Interno da Ordem dos Médicos, explica este fenómeno dizendo que “houve um aumento do número de vagas nas faculdades de Medicina,o que levou a um número crescente de estudantes sem que houvesse, depois, uma capacidade por parte do sistema na formação pós-graduada para absorver todos estes candidatos”.
Apesar das vagas continuarem a ser definidas através do mesmo método, a capacidade para integração dos médicos recém-formados é “finita” e no momento “não corresponde ao número de candidatos”.
O cenário repete-se
No concurso do ano passado, cerca de 700 médicos ficaram sem acesso à especialidade; em 2017, o cenário foi semelhante. Dessas sete centenas, 117 médicos que não tiveram direito a vaga receberam uma proposta do Ministério da Saúde para continuar no Serviço Nacional de Saúde (SNS), apenas aceite por metade dos médicos indiferenciados.
De acordo com as declarações do Presidente do Conselho Nacional do Internato Médico da Ordem dos Médicos à Lusa, a solução para a falta de vagas não passa pelo encontro de alternativas no setor privado, que representa uma pequena expressão no que toca a especializações — poucas dezenas de profissionais completam o processo neste setor.
A causa estaria, para a Ordem dos Médicos, nas dificuldades próprias "de um setor que tem sobretudo o fator económico associado". A solução poderá passar, segundo Francisco Mourão explicou ao Ponto e Vírgula, por “tornar o SNS atrativo”. O novo Programa de Governo propõe a criação de ‘pactos de permanência’ de forma a fixar os médicos no SNS, mas o Ministério “ainda não soube explicar o que estes pactos significam”, algo que pode resultar mal “tendo em conta experiências semelhantes noutros países”.
A resolução poderá ser “a criação de incentivos para que os profissionais fiquem [no país]”, quer a nível monetário mas, também, através da melhoria das condições de trabalho e de oportunidades de progressão na carreira “que possam ser vistas”, combatendo a “escassez de recursos técnicos e humanos”.
Segundo a Associação dos Médicos pela Formação Especializada, o número de médicos indiferenciados poderá ultrapassar os quatro mil em 2021, se nada for feito para reverter a situação.
A necessidade de solução
Em novembro, depois do término da Prova Nacional de Acesso à Formação Especialização (que este ano substitui pela primeira vez o Harrisson), estudantes de Medicina assinaram à porta dos três locais onde a prova foi realizada — Lisboa, Porto e Coimbra — uma carta endereçada à ministra da Saúde.
A iniciativa partiu da Associação Nacional de Estudantes de Medicina (ANEM) e o objetivo é alertar o Governo sobre a necessidade da criação de estratégias e organismos que evitem a saída de profissionais do Serviço Nacional de Saúde, antecipando-se a quantidade de médicos disponíveis nos anos que se seguem.
Entre as alíneas, os estudantes de Medicina pedem a garantia de acesso à especialização, cujos lugares são cada vez menos — apesar do número de vagas ter aumentado, o número de candidatos foi igualmente superior. Caso não consigam especialização, os médicos apenas poderão trabalhar em medicina geral; ou, então, fazer a especialização no estrangeiro.
Vasco Mendes, presidente da ANEM, diz ao Ponto e Vírgula que essa garantia poderá ser conseguida através da “criação de um observatório com todos os intervenientes na formação médica”, incluindo o Ministério e a Ordem, para se poder “saber quais as necessidades de saúde por região e por especialidade” de modo a saber quantos médicos são precisos formar e dotar os locais com médicos especialistas para existir “capacidade formativa a médio e longo prazo nos locais onde necessários”.
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