A canção como arma. Morreu José Mário Branco, nome maior da música portuguesa
- Tiago Serra Cunha
- 20 de nov. de 2019
- 3 min de leitura
O cantor, músico e produtor morreu aos 77 anos. Um dos nomes mais importantes da música nacional, o seu percurso marcou-se pelas canções de intervenção por e para abril.

Morreu José Mário Branco, cantor e músico português. Um dos maiores nomes da canção portuguesa, faleceu durante a noite de segunda para terça-feira (19 de novembro), vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). O seu longo percurso musical ficou marcado pela canção de intervenção e pelos acenos ao fado, uma carreira com mais de 50 anos em que usou “a canção como arma”, nome dado a um dos seus mais conhecidos temas.
José Mário Monteiro Guedes Branco, conhecido como José Mário Branco, nasceu no Porto em 1942 e cresceu na mesma cidade, onde viria a estudar História, depois de passar também pela Universidade de Coimbra — curso que nunca viria a terminar. Filho de professores primários, foi perseguido pela PIDE pelas ligações e militância ao Partido Comunista Português (PCP), cuja ditadura o obrigaria a exilar-se em França em 1963. Só voltou a Portugal em 1974, consolidando-se como um dos expoentes da música de intervenção portuguesa.
O seu primeiro disco, “Seis Cantigas de Amigo”, foi editado em 1967. Entre as obras que figuram numa extensa carreira, o álbum “Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades” (1971) tem lugar de destaque, marco entre as suas canções e, também, da história da música portuguesa, pelo caráter reivindicativo da sua lírica. O álbum, lançado em plena luta contra a ditadura e com o cantor ainda exilado, inclui textos de autores como Alexandre O’Neill, Luís de Camões, Natália Correia e Sérgio Godinho.
Dois anos depois, gravaria “Venham Mais Cinco” com Zeca Afonso, em Paris, que volta a marcar oposição face à ditadura; o regresso só aconteceria em 1974, quando fundou o Grupo de Ação Cultural - Vozes na Luta! — com o qual lançaria, em 1976, “A cantiga é uma arma”. Na sua discografia figuram também obras como “Margem de Certa Maneira” (1973), “Ser solidário” (1982), “A Noite” (1985) ou “Resistir e Vencer” (2004).
Em 2006, aos 64 anos, iniciou uma nova licenciatura, desta vez em Linguística, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi o melhor aluno do seu curso, com média de 19,1 valores, tendo recusado a bolsa de estudo oferecida por mérito. Três anos depois, em 2009, voltou aos palcos, num projeto em que se juntou a Sérgio Godinho e Fausto para cantar as referências da música portuguesa em "Três Cantos".
Dez anos depois do lançamento do seu último disco (à exceção da compilação de originais nunca antes revelados lançada em 2018), em 2014 foi lançado o documentário “Mudar de Vida”, que traça a história de José Mário Branco.
A última grande nova do cantautor surgiu no ano passado, com o lançamento do Arquivo José Mário Branco, elaborado pelo Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa; um repositório online com milhares de documentos, imagens, vídeos, músicas e outros materiais que resumem a vida e obra do artista.
Recordar a voz de uma geração
Em entrevista à TSF, Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, relembrou José Mário Branco como “sempre revolucionário”, “inconfundível na sua voz, na sua independência, na sua rebeldia”, referindo-o como “uma referência do período de resistência à ditadura, da revolução e pós-revolução de Abril e de uma geração que, através da sua voz, exprimiu a vontade de mudança política económica e social na sociedade portuguesa”.
Marcelo Rebelo de Sousa notou que tentou condecorar o músico e fazer-lhe a homenagem quando ainda estava vivo, mas que este recusou. No entanto, admite que o vai fazer a título póstumo, “se aqueles que lhe são próximos entenderem que não traem a sua memória aceitando esse reconhecimento público”.
O cantor Sérgio Godinho, companheiro de carreira de José Mário Branco, manifestou à agência Lusa uma "dor muito profunda" pela morte do músico. "Sempre fomos extremamente leais. Nunca houve um desentendimento. No essencial estivemos sempre próximos e cúmplices. […] Somos irmãos de armas. As nossas vidas tocaram-se muito e tocaram-se em muitas aventuras criativas e pessoais", acrescentou.
Para lá da amizade, que se transpôs para o cenário musical com diversas colaborações em estúdio e nos palcos, Sérgio Godinho ressalta a "importância fundamental" de José Mário Branco "na renovação da música portuguesa", como alguém "riquíssimo e fundamental" na história da canção nacional.
Também o fadista Camané, com quem José Mário Branco tinha uma forte ligação artística (depois de apresentado ao cantor por Carlos do Carmo em 1990), reagiu ao Público referindo o artista como "um dos artistas mais importantes da música portuguesa, como produtor, como intérprete, como compositor, letrista”.

“Tem uma importância e influência extrema tanto na música portuguesa mais moderna quanto na música mais antiga”, cuja obra influenciou a história recente da música", terminou.
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