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A eterna menina do mar. 100 anos de Sophia

Atualizado: 13 de jan. de 2020

Sophia de Mello Breyner Andersen faria hoje 100 anos. A data mereceu celebrações culturais de homenagem por todo o país.


Fotografia: António Pedro Ferreira | Expresso

A eterna menina do mar nasceu há 100 anos. Sophia é uma das autoras mais consagradas do nosso tempo. Nas palavras do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, Sophia foi uma “presença constante” ao longo destes cem anos. Foi e continua a ser uma autora “sempre rodeada de unanimidade” e “isso mesmo se traduziu no facto singular de ser o único escritor do nosso tempo acolhido, e acolhido também unanimemente, no Panteão Nacional”.



O Centenário de Sophia


O Centenário de Sophia nasceu precisamente neste âmbito. Maria Andresen Sousa Tavares, filha de Sophia, tomou a iniciativa e preside esta Comissão das Comemorações. O programa cultural ao longo do ano foi vasto e adaptado a todas as idades, culminando no dia de hoje, o dia em que Sophia faria 100 anos.


Assim, de norte a sul do país se celebrou Sophia com declamação de textos, concertos, exposições, peças de teatro, projeção de documentários e sessões literárias. O programa também se estende aos arquipélagos e, até, a terras brasileiras. Paralelamente, foram várias as edições comemorativas publicadas ao longo dos últimos meses, que abrangeram a poesia, os contos, as peças de teatro e outros textos diversos da autora.



O Grande-Colar da Ordem de Sant'Iago da Espada


Enquadrada nas comemorações estava uma récita em versão de concerto no Teatro de Nacional de São Carlos, em Lisboa. Para assistir a esta ópera Orfeo ed Euridice eram esperados o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e Graça Fonseca, Ministra da Cultura. Na intervenção que antecedeu o concerto, Marcelo condecorou a escritora com o Grande-Colar da Ordem de Sant'Iago da Espada, um alto grau concedido a chefes de Estado estrangeiros. As insígnias foram entregues a Maria Andresen, a filha que esteve presente em representação da família.


Nas palavras de Marcelo, Sophia “merece a honra excecional da atribuição do Grande-Colar da Ordem de Sant'Iago da Espada — desse modo ficando a ser, simbolicamente, a primeira mulher portuguesa e a primeira mulher não chefe de Estado a receber tal grau superlativo”. Em vida, Sophia foi condecorada com o grau de Grande Oficial, em 1981, e em 1988 com a Grã-Cruz desta mesma ordem, assim como com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, no ano de 1987.



Sophia e os mais novos


Da sua mente verdadeiramente única nasceram obras como A Menina do Mar, A Fada Oriana, A Noite de Natal, O Cavaleiro da Dinamarca e O Rapaz de Bronze, todas elas integradas no Plano Nacional de Leitura. Mesmo de leitura obrigatória, os textos de Sophia são dos mais apreciados pelos alunos do Ensino Básico. Já no Ensino Secundário, é a vez dos poemas de Sophia de ser objeto de análise.


Mas a obra de Sophia estende-se a todos os graus de ensino e acompanha os alunos pela vida fora. Inês Sofia Pereira, estudante da Universidade do Porto, diz que “Sophia é poesia”. “Sophia é capacidade de pegar nas coisas mais simples, como a Natureza, e comunicá-las de uma maneira autêntica, estupenda. E nota-se mesmo que ela era alguém que observava o mundo, estava muito atenta aos pormenores. Ela própria dizia que o artista não inventa, vê”, completa.


E porque Sophia não é só contos para crianças, “é também coisas mais adultas”, Inês destaca o poema “Porque” como um dos seus preferidos. Comenta que este é um texto que “nos lembra que devemos ser autênticos, que não devemos ter medo e que não nos devemos calar, que devemos seguir as nossas convicções e não nos deixarmos contagiar pela sociedade”. Lição que, sem dúvida, devemos guardar connosco.



Estórias da história de Sophia


O Ponto e Vírgula teve oportunidade de conversar com Martim de Sousa Tavares, o neto mais novo da autora, na Galeria da Biodiversidade. O músico e maestro contou-nos algumas das estórias de e com Sophia.

Fotografia: Sofia Matos Silva

I. “Sophia cresce nesta casa, mas não nasceu aqui, contrariamente ao que muita gente pensa; nasceu a dois passos daqui, na Rua António Cardoso. Era aqui que ela estava em criança, que é a altura em que a memória é mais estimulada, e, assim, o contacto com o Jardim influencia imenso o seu caminho poético. Portanto, esta Galeria e este Jardim têm a missão de perpetuar esse legado único, que é de uma escritora importantíssima, muito lida, que escreveu sobre espaços que são públicos, são acessíveis a toda a gente e que não pertencem apenas à fantasia, são reais e existem”.


II. “Este espaço não está dedicado à literatura e, nesse sentido, poderia ser um desafio difícil cumprir uma missão de salvaguarda de memória literária, mas que eu acho que está muito bem conseguido. A baleia que está ali pendurada conta a história, no fundo, de como se cruzam a ciência e a literatura nesta casa. A baleia não está ali só por acaso, vem de um conto chamado “Saga”, de Sophia, em que ela conta a história de como a família vem da Dinamarca para o Porto. E ela fala de um esqueleto de baleia que o avô tinha encaixotado e da casa onde cresceu, que era tão grande que dava para esticar o esqueleto no átrio. A verdade é que esse esqueleto existia mesmo, foram encontrá-lo e montaram-no. Depois, é missão continuar essa salvaguarda”.


III. “As únicas experiências de música que eu tive com a minha avó foram terríveis, porque eu era um aluno de piano e o meu pai obrigava-me a cantar aquilo que eu tocava para a minha avó. Em casa dela não havia um piano, então, eu ia lá e fazia solfejo como se estivesse a tocar. Nem a reação dela nem a minha contribuíram muito para que eu tenha acabado por dedicar a minha vida às artes. Mas houve um perpetuar desse contacto com a beleza que, sem dúvida, deve-se muito a ela”.


IV. “Eu não tenho memórias da minha avó enquanto poeta, tenho memórias da minha avó enquanto avó. Talvez a pessoa que os outros não conheceram. Quem para os outros se chama Sophia de Mello Breyner Andersen, para mim era a avó Sophia, que vivia ali na Graça, na casa de quem íamos passar o Natal todos os anos. Só mais tarde é que eu comecei a fundir as duas memórias, não posso dizer que alguma vez vi a minha avó a escrever ou a dizer poemas. Via-a a preparar o jantar, a andar por casa, ou seja, a ser uma avó”.



A importância de Sophia nos dias de hoje


A eterna menina do mar foi uma autora muito ligada aos espaços. No Porto, a atual Galeria da Biodiversidade e o Jardim Botânico são a antiga Casa Andresen e a Quinta do Campo Alegre. Nestes espaços, Sophia passou grande parte da sua infância; mais tarde, escreveu contos que se relacionam diretamente com as memórias e as sensações que nestes locais viveu. Nos dias de hoje, a presença de Sophia continua a sentir-se. Paulo Gusmão Guedes, coordenador da Galeria, diz que “as pessoas vêm cá de propósito para ver um Jardim que está ligado a Sophia”.


Martim foi escolhido, também, para fazer a curadoria do programa do Centenário de Sophia. Em conversa sobre o legado de Sophia, o maestro comenta que “é muito interessante a presença de Sophia estar espalhada não só na sua própria obra, mas também na obra do Ruben A. e, agora, até nas memórias do Thomaz de Mello Breyner que foram editadas. Vamos conseguindo apanhar fragmentos que reconstroem esse puzzle”.

De que forma poderia a obra de Sophia ser ainda mais aproveitada? Martim de Sousa Tavares acredita que, “como todos os criadores, há duas fases na salvaguarda da sua obra”.


“A primeira fase, que é a mais importante, é conhecer a obra, é descobri-la, editá-la, preservá-la e torná-la disponível a todas as pessoas”. Estabelecendo uma ponte para outros escritores, aponta que esta “é uma fase que no caso do Camões, Dante ou Aristóteles nunca vai estar cumprida; são autores mais antigos que escreveram obra que se perdeu irremediavelmente. Pode dar-se o milagre de encontrarmos alguma coisa, mas, à partida, aquilo que não conhecemos está perdido para sempre”. Já no caso de autores como “Fernando Pessoa, que têm esta primeira fase em vias de cumprimento, deixaram muita coisa que continua a ser descoberta, mas tudo leva a crer que, daqui a uns anos, vamos conhecer a obra toda do Pessoa”.


O caso de Sophia é bastante diferente, porque “esta primeira fase foi cumprida com sucesso há muito tempo, ainda em vida da autora. Falamos de uma escritora que não deixa manuscritos por publicar e não deixa livros que se perderam. É umas das autoras que teve mais sorte nesse sentido, ainda em vida foi consagrada”.


“E, portanto, o que é que nós fazemos a partir daqui? Como é que vamos manter vivo um autor que, no fundo, tudo aquilo que deu já está a ser consumido?”, interroga-se o maestro, refletindo que “as pessoas gostam da Sophia, não há uma falta de leitura de Sophia”.


Posto isto, apresenta a que considera ser a segunda fase, que apelida de “fase da infiltração. É quando esta obra se vai infiltrar na vida das pessoas, em vários aspetos do quotidiano. E que podem ir de coisas tão simples, quase inócuas, como andar com uma t-shirt que tenha uma frase de Sophia, como um poema virar um ditado popular, por exemplo. ‘Primeiro estranha-se, depois entranha-se’ é do Fernando Pessoa, mas hoje em dia é um ditado popular. Eu acho isso muito interessante, quando a arte se quotidianiza. É vê-la infiltrar outros campos do pensamento, infiltrar o teatro, a ilustração, a música. Desaparecer, digamos, enquanto Sophia poeta, e aparecer noutras obras e noutras formas. E esse é o meu sonho com Sophia”.

Fotografia: António Pedro Ferreira | Expresso

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