Congelar o relógio para descongelar o jogo
- João Malheiro
- 4 de jan. de 2020
- 4 min de leitura
Como é que o antijogo prejudica o futebol? Ao parar a partida, o relógio continua a contar até aos 90 minutos sem que se aproveite o tempo. E se sempre que o jogo parar, o relógio parar também? O antijogo torna-se inútil.

Mais uma época de futebol, mais uma época de queixas no final dos jogos. Pois é, quase sempre há coisas externas às equipas, fora do controlo dos treinadores, que condicionam o resultado e favorecem apenas um dos lados.
Como é óbvio, há queixas mais ou menos legítimas, mais ou menos descabidas. A introdução do VAR (video-árbitro) tem estado no centro das atenções, mas, de vez em quando, um tópico surge para roubar tempo de antena: o antijogo.
No ano passado, um estudo publicado pelo CIES, um observatório internacional de futebol, colocava a liga portuguesa no fundo da tabela da eficiência de tempo de jogo, na Europa. Por outras palavras, em Portugal era onde se jogava durante menos tempo útil. Este ano, um novo estudo mostra uma ligeira, se bem que francamente fraca, melhoria: temos a quarta pior liga de futebol no que toca a tempo útil (51.9%).
Não obstante, o caso português não é o único onde o antijogo se faz sentir. Ainda esta semana, depois de uma derrota, José Mourinho queixou-se de atrasos feitos pela equipa adversária. O treinador português comanda o Tottenham da Premier League, ou, segundo o CIES, da quarta melhor liga no que toca a tempo útil de jogo (57.3%).
Mourinho não está sozinho. Quase todos os técnicos de futebol que já estiveram atrás de um resultado sentiram na pele e manifestaram-se contra os efeitos do antijogo. Aliás, o dado mais relevante do estudo do CIES nem sequer é que Portugal esteja mal qualificado. É que todos os países estejam na casa dos 50% de tempo útil. Quer isto dizer que a pior liga tem 50.2% de tempo útil e a melhor liga tem 59.7%. Quer isto dizer que não há uma única liga do continente onde se pratica melhor futebol que chegue aos 60% de tempo útil de jogo.
O problema é geral, as queixas são constantes. Certamente, já se escreveram muitos artigos a pedir soluções à Federação Portugesa de Futebol ou à FIFA, mas as soluções encontradas têm sido ineficazes até agora. Se há algo eternamente pouco consensual, é o tempo de compensação que se deve dar depois do período regulamentar. Por isso, este artigo não vai pedir mais soluções, este artigo vai apresentar uma solução.
Como é que o antijogo prejudica o futebol? Ao parar a partida, o relógio continua a contar até aos 90 minutos sem que se aproveite o tempo. E se sempre que o jogo parar, o relógio parar também? A resposta é simples: O antijogo torna-se inútil.
Existe um conservadorismo estranho, motivado em alguns casos por uma visão sobranceira das modalidades, que leva muitos a defender que o futebol não tem de aprender ou mudar consoante os outros desportos. A implantação do VAR é um exemplo dessa resistência. Parece que alguma mudança mais estrutural das regras do jogo é um ataque à "identidade do futebol". Maior ataque é pensar que a modalidade não pode evoluir e adaptar-se. Vamos desqualificar estes argumentos "românticos" e focarmo-nos no efeito prático de tal medida. O que é que aconteceria se o relógio parasse?
Primeiramente, o antijogo não alcançava nada mais do que quebrar o ritmo da partida. Isso pode ser prejudicial para a equipa que está a atacar, porém é um fator igualmente nocivo para uma defesa alerta a ameaças de golo. Atendendo a isso, a demora em repor a bola e outras práticas de antijogo devem continuar a ser penalizadas. Os treinadores também não têm permissão para falar muito tempo com os jogadores, não se está a falar em timeouts. Lá porque o relógio está parado não quer dizer que se possa perder todo o tempo do mundo. Simplesmente, não se perde tempo útil.
Outra consequência seria a extensão de uma partida de futebol. Queria isto dizer que se podia demorar algum tempo até se sair do estádio. Às vezes, até mais de duas horas (que apesar de tudo ainda é um tempo bastante comum). Seria chato para os espetadores? Talvez, mas coloquemos tudo em perspetiva. Se perguntarmos aos adeptos que pagam, hoje mais do que nunca, preços exorbitantes por um bilhete, o que é que será que eles preferem? Um partida de 90 minutos onde menos de 60% desse tempo é aproveitado ou um jogo em que o tempo regulamentar é totalmente disputado, até ao último segundo? A resposta parece-me óbvia.
Por fim, se a partida se estender mais um pouco, obrigará os jogadores a desgastarem-se mais. Este é um bom ponto contra, mas anula-se a si mesmo. Afinal, se os únicos prejudicados por antijogo forem os próprios jogadores por estarem a prolongar o tempo de prática desportiva, talvez estejam menos tentados a fazê-lo. E se não o fizerem, os jogadores esforçam-se só durante 90 minutos ou pouco mais. E uma possível quarta substituição em tempo regulamentar pode servir de resposta, há que ser um pouco flexível e criativo a implementar esta ideia e a limiar as suas arestas.
A solução é eficaz, promove a competitividade, acaba com a subjetivade do tempo extra e esvazia os efeitos do antijogo. Tirando uma noção de não interferir com conceitos antiquados do futebol, será que esta ideia tem mais pontos negativos do que positivos? Se tiver, não os consigo identificar.
O problema do antijogo é duradouro e não tem fim à vista. Para aqueles que se assumem como defensores orgulhosos da verdade desportiva, é tempo de olharem para uma das verdades mais antigas da modalidade: o futebol disputa-se em 90 minutos. Uma forma de garantir que isso aconteça é congelar o relógio, para descongelar o jogo.
Comments