Ghostly Kisses: um "ambiente meio sonhador, um pouco escuro e calmo, tudo ao mesmo tempo"
- Sofia Matos Silva
- 21 de dez. de 2019
- 10 min de leitura
Atualizado: 13 de jan. de 2020
O Ponto e Vírgula conversou com Margaux Sauvé, a voz de Ghostly Kisses, na tarde do seu primeiro concerto na Europa.

Ghostly Kisses é o projeto dreamy pop de Margaux Sauvé. A canadiana escreve as letras, compõe as canções, canta, é violinista e pianista. O nome ‘Ghostly Kisses’ surgiu do poema de William Faulkner, Une ballade des dames perdues. De facto, é um nome que parece refletir na perfeição a voz etérea de Margaux. Como a própria o descreve, este é um projeto que combina um lado sonhador com um lado negro. O resultado é música curiosamente pacífica, arrepiante e emotiva.
Os primeiros trabalhos de Margaux surgem em 2015. Nesse ano, lançou o seu primeiro single, “Never Know”, em maio. O segundo saiu passado um mês; de nome “One”, conta com composição e produção de Dragos Chiriac, que colaborou com Margaux nos primeiros tempos. Dois anos depois, surge o primeiro EP, entitulado What You See. The City Holds My Heart saiu em novembro de 2018 e tem 5 músicas, incluindo o homónimo single arrebatador, que conseguiu garantir a atenção da crítica do mundo da música alternativa. Neste EP já consta o nome de Louis- Étienne Santais, assim como o de vários outros músicos que têm colaborado com Margaux. Chegando a 2019, é divulgado o Ghostly Kisses Vinyl, que junta algumas canções novas a músicas anteriores. Duas semanas depois desta entrevista, Margaux lançou ainda um EP de versões acústicas das suas músicas, intitulado Alone Together.
O que te fez apaixonar pela música?
Bem, quando eu era muito nova, com cerca de quatro, cinco anos de idade, o meu avô deu um violino ao meu irmão. A minha mãe já tocava piano e, então, eu e o meu irmão começamos a tocar violino. A música é algo que chegou à minha família e à minha casa quando eu era muito nova. Acho que os primeiros momentos que me fizeram apaixonar pela música foram em casa, quando nós os três tocávamos juntos diariamente.
Como nasceu este projeto, Ghostly Kisses?
Então, eu toco violino desde muito pequena. Comecei a cantar e a escrever música quando estava na universidade; estava a estudar psicologia e acho que, de alguma forma, não queria realmente fazê-lo, não queria estar na escola. Então, sempre que tinha tempo, eu começava a tocar piano, a compôr músicas e a escrever letras. Acho que, nesta altura, tu tentas descobrir o que vais fazer com a tua vida, e parecia que a música estava a ocupar mais e mais do meu tempo. E percebi que era isso que eu queria fazer, então comecei a fazer músicas e entrei em contacto com um produtor que conheço em Québec - que é onde eu vivo - e começou assim. Comecei a cantar música a sério daí em diante e, quatro anos depois, temos a nossa primeira digressão na Europa.
Até agora, parece que estás a explorar o teu som. No entanto, já tens uma identidade bastante concisa. Pensas assim também, ou preferes continuar a explorar um pouco mais - antes de lançar um álbum, por exemplo.

Eu acho que tenho explorado e acho que vou continuar a explorar, porque é algo que sinto que sempre vou querer fazer, porque é como se, as tuas preferências, as coisas de que gostas, isso cresce e evolui. Assim, eu acho que o núcleo principal será sempre o mesmo, com canções de amor e vibrações sonhadoras, atmosféricas, mas vai tomar nuances diferentes. Não vou estar sempre, por exemplo, vestida da mesma maneira, as coisas vão evoluindo um pouco. Mas acho que vai levar eventualmente - e muito em breve, na verdade - a um álbum. Talvez no próximo ano, já estamos a trabalhar nele, provavelmente vai ser o nosso próximo lançamento. Eu acho que é importante ter alguma liberdade, não fazer sempre a mesma coisa; acho que todos os artistas procuram diferentes maneiras de expressar o que querem expressar, mas há sempre algo que permanece comum. É assim que eu vejo.
De onde surgiram os rapazes?
Bem, eu costumava ter... o primeiro produtor com quem trabalhei foi o Dragos Chiriac, dos Men I Trust. E nós éramos todos um grupo de amigos a fazer música na cidade de Québec, conhecíamo-nos todos. Mas depois o Dragos decidiu dedicar o seu tempo totalmente a Men I Trust, porque era o seu próprio projeto.
Eles vieram cá no verão.
Sim, eu sei [risos]. A Emma é uma das minhas amigas mais antigas, desde o ensino secundário. Então, quando o Dragos começou a trabalhar mais em Men I Trust, eu comecei a trabalhar mais com o Louis - que era um dos nossos amigos -, que toca piano e produz música. Então, começamos a trabalhar juntos, e pedimos aos outros para virem tocar nas atuações ao vivo. Mas, no estúdio e todas as músicas, trabalho-as com o Louis.

Como chegaste a esta identidade? Se existisse um som feito por fantasmas pacíficos, eu diria que é este.
[Risos] Acho que tem sido um processo em desenvolvimento, a criação da identidade visual e a criação do que ouves no som, na música, é algo que se tem vindo a desenvolver e que vai evoluindo fazendo. No início, eu tinha uma ideia do que queria fazer, algo bastante sonhador, mas, ainda assim, um pouco escuro, como as emoções ou os relacionamentos, e coisas assim. E ao fazê-lo, ao experimentar... não sei exatamente como fizemos isto, mas é só que, sempre que tentamos uma nova ideia, tentamos um som diferente, e fazemos crescer este mundo que imaginamos.
É um mundo bastante mágico.
Sim! Acho que tentamos escapar um pouco quando fazemos música. Quando eu escrevo letras, gosto de fugir ao mundo real e isso é algo que está muito presente na linha da criação. E o nome: nós vimos o nome num poema e combinou perfeitamente com o mundo que estávamos a tentar criar. Então, tudo meio que se encaixou... como peças diferentes de um puzzle. Mas há alguns anos não era algo tão claro, é algo que tem vindo a crescer.
Quais são tuas inspirações?
Paradoxalmente, em termos de escrita, eu costumo escrever sobre as minhas próprias histórias, ou os meus relacionamentos, e, às vezes, escrevo e percebo, depois, quando leio o texto, 'oh, ok, eu estou a falar sobre isto, nem tinha percebido'. Então, tem sido algo meio libertador, escrever. Mas, para a minha música, gosto mesmo muito dos sons e das produções dos anos 90, como sou uma violinista, adoro cordas, adoro piano, adoro guitarras. Então, ouço muito London Grammar e Dido.
Nota-se bem.
[Risos] Então, eu diria que estas são todas as inspirações, um pouco de mim com inspirações de outras bandas e de outros músicos. Para criar este ambiente meio sonhador, um pouco escuro e calmo, tudo ao mesmo tempo.
É uma espécie de paradoxo. É como os Smiths. Eles têm letras muito escuras, mas o som torna-as sempre…
Mais leves. Sim!
Sim. São dois opostos. E teu som também é assim. Escuro, mas também pacífico.
Sim!

Se tivesses que escolher apenas um álbum, qual seria?
Isso é muito difícil. Mas a primeira coisa que me veio à cabeça foi o álbum dos Röyksopp, The Inevitable End, o álbum de 2014. É música eletrônica e há algo assim... não sei, há algo de verdadeiramente poderoso nesse álbum, acho que foi um dos discos que me deu o empurrão para escrever música e para fazer música, especialmente por causa da canção “Running to the Sea”, com a Susanne Sundfør. Adoro tanto essa música, a cada dois ou três meses, se eu tiver uma viagem de carro para fazer, eu vou ouvir esse disco e vou lembrar... não sei bem porquê, mas, de certa forma, este álbum é bastante emocional. Parece profundo e que todas as histórias foram escritas com cuidado e dedicação e, ao mesmo tempo, é um conjunto de músicas bastante diferentes entre si, um monte de contraste.
Quão diferente é a tua vida em casa da vida que tens agora? Como é a vida na estrada?
Fazer uma tour é novo; até agora tem sido incrível. Quer dizer, viajamos, vemos tanta coisa, conhecemos pessoas diferentes. É incrível estar em viagem para um trabalho, fazer música; é o sonho de todos, toda a gente está a adorar até agora. Temos uma equipa grande e são todos simpáticos, então todos se dão bem. Eu ando a fazer música, apenas música, nos últimos dois anos e tem sido fantástico. Sentes-te livre, sabes? És o teu próprio chefe, tens que trabalhar duro, mas podes decidir sempre quando queres trabalhar e o que queres fazer exatamente, e é muito bom ter controlo ou poder na própria vida e na tua própria rotina.
Isso é interessante. Porque há também o outro oposto; por exemplo, estás doente e queres ficar em casa e não podes, porque tens tudo agendado.
Quer dizer, há sempre desvantagens, como em tudo. Ontem estávamos muito cansados porque não dormimos por 24 horas, e eu ainda tive uma entrevista e depois tivemos outras atividades. Mas, no fundo, conhecemos pessoas tão agradáveis, e é lindo aqui, não temos esse tipo de tempo em casa [risos], então nós ficamos ‘like whatever’, estamos cansados, mas mais tarde vamos dormir, então está tudo bem. Sinto-me muito sortuda por estar a fazer isto.

Onde gostarias de estar em vinte anos? Quais são os teus sonhos, o que gostarias de alcançar?
Acho que gostaria de ainda ser artista. Quer dizer, eu acho que, para uma mulher crescer enquanto artista, às vezes pode ser difícil encontrar o seu lugar, mas eu gostava de manter... Em dez, vinte anos, eu gostava de ainda ser criativa. Especialmente em relação a canto e a música e a ter meu próprio projeto; se não for Ghostly Kisses pode ser outro projeto talvez, mas eu gostaria de ainda estar a compôr e a escrever e a partilhar um ambiente e um mundo criativo com as pessoas. Esse é realmente o meu sonho, fazer isto o máximo de tempo que conseguir. Não é uma fase ou... eu gostaria de fazer isto o máximo de tempo que conseguir.
Com quem gostarias de dividir um palco ou um estúdio?
Eu não tenho ninguém em mente. Gostava de fazer uma colaboração com algum tipo de música de dança. Algo como, tu sabes, a canção dos Disclosure com os London Grammar, acho que é uma combinação tão boa.
Dois mundos diferentes, combinando tão bem.
Sim! É tão boa, soa tão bem. Isso é algo que eu gostava muito de fazer, mas com quem, não sei, há muitos artistas... Eu gosto muito da banda Kiasmos, adoro o som deles, e o piano que eles põem lá é incrível, então, sim, isso seria ótimo, Kiasmos seria realmente incrível. E eu também gostaria de fazer alguma coisa mais orquestral, não necessariamente uma colaboração com outro artista, mas gostaria de fazer uma espécie de espetáculo orquestral. Fazer parte de uma grande produção como essa seria muito, muito bom. Então, dois sonhos.
Um artista nunca é apenas uma coisa. Como te relacionas com os outros ofícios? Gostas, obviamente, de poesia. Por exemplo, “The City Holds My Heart”, foste tu quem criou o conceito do vídeo?
Sim. Bem, eu tinha uma ideia do tipo de imagens que queria e do ambiente que queria. Depois conversei com o meu melhor amigo e decidimos ir a Berlim juntos, e nós então filmamos tudo juntos e decidimos o conceito juntos. Queríamos mesmo recriar uma atmosfera nostálgica e a sensação de quando deixas um lugar de que gostas ou quando deixas alguém que amas, e recriar o tipo de sentimento nostálgico de estar longe de alguém ou de estar longe de casa. E eu adoro fotografia e gosto de escolher imagens que se encaixam bem com as emoções e com a música; é um prazer para mim, é realmente algo que eu gosto de fazer, então nós fazêmo-lo, simplesmente. Mas não houve qualquer outro pensamento envolvido, não idealizamos plano a plano, apenas fomos improvisando.
A edição é muito boa. Demorou muito tempo.
Nós não fizemos a montagem, contudo. Filmamos tudo e depois pedimos a outro amigo para fazer o plano a plano, o que realmente ajudou, porque isso teria sido... eu não sei fazer isso sozinha. Estou rodeada de pessoas mesmo muito talentosas mesmo.
Em que formato foi filmado o “The City Holds My Heart”?
Ah, sim, filme. Super 8.
E o “Touch”, a versão acústica?
É em filme também. É a mesma coisa. O Louis e eu fomos para Marrocos com a família dele e estávamos a viver nesta casa enorme, e eu tinha trazido a câmara e tinha três filmes de preto e branco. E, estando lá, pensamos 'porque não filmar algo na casa?', esse tipo de sentimento de estar preso em casa e poderia encaixar bem com o conceito da “Touch”, de não se ser capaz de conhecer a pessoa e desvendar a pessoa, por isso sentimos como... não sei, esta mulher está só à espera que o homem se vire ou que a ouça ou que esteja lá. Então, nós improvisamos, o que foi bastante divertido de se fazer.
E fotografia? Toda a fotografia à tua volta é muito boa: as capas, as divulgações.
Eu trabalho com um fotógrafo em Montréal, chamado Le Pigeon, Jerry Pigeon, que é muito bom. Senão, faço filmes com os meus amigos, principalmente. Como eu tenho a minha própria câmara, eu pergunto-lhes e eles fotografam-me e filmam-me - em casa ou onde quer que se decida ir. Por isso, é um processo bastante simples, eu diria, mas também bastante importante para mim, como o tipo de câmara que se usa ou o acabamento e... há alguns anos eu percebi o quanto gostava de filme, então eu quase só uso filme hoje em dia. Filme mantém aquela boa sensação de um pouco fantasmagórico, mas um pouco misterioso. Então, sim. E para a capa do álbum, com as fotografias, nós trabalhamos algum conceito, mas acabamos por mantê-lo sempre bastante simples.

O preto e branco resulta da mesma linha de pensamento?
Sim, exatamente! No início, eu até queria fazer apenas preto e branco, mas depois comecei a perceber que, às vezes, trazer um pouco de cor, mas mantendo o granulado, continua a ser misterioso e fica ainda mais agradável, então tento jogar com os dois.
Como funciona o teu processo criativo? O que te inspira, te leva a escrever e a criar?
Eu costumo começar apenas tocando piano ou cantando melodias. Não sei exatamente como a inspiração vem, mas geralmente é apenas a cantar ou a tocar ou a ouvir outras músicas. E só eu, às vezes, sinto que consigo escapar um pouco e entrar no modo criativo... não ouço mais nada para além de novas ideias. E, quer dizer, é difícil dizer como acontece exatamente, porque é muito diferente de vez para vez. Às vezes, o Louis começa algo no piano e depois eu junto-me e canto com ele, e começamos uma música juntos assim, ou outras vezes ele faz tudo bonitinho, batidas de bateria, e começamos a partir daí. Temos algumas inspirações em comum, que partilhamos, e falamos imenso de música, das coisas que gostamos Mas, quando criamos, por vezes isso simplesmente acontece, acaba por ser bastante espontâneo. Como eu disse, há todas essas inspirações, Massive Attack, Dido, e, claro, London Grammar, coisas um pouco mais novas também, sim, então, temos um som diferente de que gostamos e, partindo disso, começamos a criar novas músicas. E noutras alturas é muito mais íntimo, é mais eu com os meus pensamentos e as minhas emoções, a passar tudo isso para o papel.
Porquê a “Zombie”?
Acho que a ideia de fazer a cover surgiu quando ela morreu [Dolores O'Riordan dos The Cranberries]. Decidimos experimentar tocar a cover num concerto... porque íamos atuar na semana em que ela morreu, então pensámos, ‘por que não fazer uma cover, apenas voz e piano no final do concerto?' E foi muito bem recebido pelas pessoas, então depois decidimos gravar uma versão e incluí-la no álbum. Só porque... eu gosto muito de fazer covers, acho que é bom trazer outra vida a uma canção e dar-lhe um outro tom, uma segunda vida, então foi isso que fizemos com a “Zombie”.
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