Joker: O espelho desconfortável de todos nós
- João Malheiro
- 21 de out. de 2019
- 3 min de leitura
Atualizado: 1 de dez. de 2019
Joker, realizado por Todd Philips, retrata a origem do famoso antagonista de Batman. O Ponto e Vírgula dá o seu parecer sobre um dos filmes mais discutidos de 2019.

Joker é um filme realizado por Todd Philips sobre a origem do famoso antagonista de Batman. Joaquin Phoenix é Arthur Fleck, um aspirante a cómico de stand-up que sofre de riso patológico, um distúrbio que o força a rir-se, mesmo quando não quer.
A vida de palhaço precário, ostracizado da sociedade e cuidador da sua mãe desabilitada fazem Arthur sentir-se miserável e irrelevante. O psíquico frágil do protagonista começa a atingir o limite e uma espiral de momentos negativos levará ao nascimento de um dos maiores supervilões de sempre.
O filme tem gerado polémica e reacções polarizantes por parte dos media americanos. Medo do filme poder inspirar atos violentos não impediram Joker de quebrar recordes da bilheteira e ser o filme mais visto deste mês. Afinal, vale a pena tanto alarido? Sim, vale, mas não por razões negativas.
Joker é um filme estrondoso, um retrato duro de mentalidades e vicissitudes da sociedade ocidental do século XXI. A viagem até ao lado mais negro do ser humano é desconfortável e intensa, trágica e gloriosa.
Tudo começa e acaba em Joaquin Phoenix. O ator foi escolhido para o papel por ter já uma carreira aclamada. Mesmo assim, o currículo do ator norte-americano não será o mesmo depois de Joker. A metamorfose poética de Phoenix transmite a inocência incompreendida, a dor reprimida e, eventualmente, o caos libertado de Arthur Fleck.
As danças, os risos, a postura, aquele sorriso, enfim, tudo o que Joaquin Phoenix alcança na sua atuação ficará para a História do Cinema. É, sem dúvida, uma das melhores performances de sempre.

O argumento aborda diversas temáticas dos nossos dias. A doença mental e a forma inapropriada como a sociedade a trata é a questão mais pertinente. As pessoas que sofrem de deficiência, qualquer que ela seja, não deviam viver envergonhadas com a sua condição. Mas uma sociedade pouco compreensiva e despreocupada provocam isso mesmo. É neste aspeto que Joker deixa de ser um filme sobre violência, para se tornar num pedido desesperado por amor e tolerância. Antes que seja tarde de mais.
Não sabemos bem o que estamos a sentir, mas sabemos que o devemos sentir.
A luta de classes, as figuras políticas da atualidade e a discrepância de direitos são outros pontos tocados pelo argumento. Algumas citações que perdurarão no tempo e ligações inteligentes à mitologia de Batman são o toque final numa história muito bem escrita.
Do papel para o ecrã, o trabalho de Todd Philips é de louvar. O realizador consegue fundir interpretação, cinematografia e banda sonora num único ser monstruoso que prende o espetador durante todo o filme. Visualmente, Joker é magnífico, em particular no seu jogo de cores.

Quando “That’s Life” de Frank Sinatra nos introduz os créditos finais, é difícil largar as duas horas anteriores. O filme fica connosco, acompanha-nos durante os próximos dias. Não sabemos bem o que estamos a sentir, mas sabemos que o devemos sentir.
Todd Philips e Joaquin Phoenix criaram uma obra-prima numa altura em que o Cinema mais precisava. Os colossos de bilheteira parecem pequeninos, em comparação.
Joker é um espelho desconfortável. Isto tanto se pode referir ao filme ou à personagem. Eles são o símbolo da parte obscura da Humanidade que poucos querem admitir que existe em cada um de nós. Talvez seja por isso que alguns não queiram olhar para o seu reflexo e outros que olham só consigam esboçar um sorriso amarelo.
Qualquer um pode ser o Joker. O nosso dever é garantir que ninguém o seja.


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