Mr Robot: eps0.0_goodbyefriend.mov
- Sofia Matos Silva
- 9 de jan. de 2020
- 4 min de leitura
Em Mr Robot, nunca sabemos o que é real do que não é. Essa é uma das particularidades que tornam esta narrativa tão única.

Chegou a altura de nos despedirmos de uma das melhores séries de sempre. Ninguém gosta de despedidas e esta é uma particularmente emocional; no entanto, não foi um adeus custoso. Ao contrário do que se tem passado com muitas produções, Mr Robot teve o final que merecia. Tudo foi bem pensado e bem planeado, cada peça encaixou perfeitamente no devido lugar. Mais, cada segundo foi planeado desde o início. Com este último episódio, temos a confirmação de que Sam Esmail sabia o que estava a fazer desde que a série estreou há quatro anos atrás.
Mr Robot é uma das maiores obras-primas da televisão. Ponto. E isto em plena era de ouro da televisão. Nunca se fizeram tantas séries com tanta qualidade, nunca se investiu tanto, nunca se inovou tanto. Mas, mesmo assim, Mr Robot destaca-se com a maior das facilidades. E eleva tanto a fasquia que não sei se algum dia será possível alguém pensar uma série tão complexa como esta.
A criação de Sam Esmail inova tanto pelo conteúdo como pela forma. Como se descreve o que é Mr Robot? É uma série sobre hackers? Sobre distúrbios mentais? Sobre luta de classes? Sobre combate ao crime organizado? Sobre como desmascarar o 1% do 1% que controla o mundo a partir das sombras? Sobre justiceiros que tentam redistribuir a riqueza do mundo?
Mr Robot é tudo isto e muito mais. Nunca uma série como esta foi feita. Nunca uma história destas foi contada. Nunca uma produção foi tão meticulosamente planeada, uma narrativa delineada com cinco ou mais anos de antecedência, com pequenas pistas e detalhes a serem deixados em cada episódio ao longo de quatro temporadas, para apenas serem compreendidos no último episódio. Nunca um segredo foi tão bem guardado, também, mantido a sete chaves dentro da mente que criou todo este mundo.

É como construir um puzzle de dez mil peças, em que a cada nova adição se vai chegando um pouco mais perto de descobrir a imagem final. Mas, quando parece que já estávamos a chegar mais perto, uma nova peça é encaixada e muda completamente a imagem. E apenas se consegue chegar à verdade quando a última peça é colocada no local onde pertence.
Ao fim de 45 episódios, temos a confirmação de que somos - também nós espetadores - personagens na série. E, não só personagens, mas parte da identidade da personagem principal. Personagem principal que nem é, afinal, a personagem principal. Nunca a chegamos a conhecer, sequer, para lá dos dois segundos finais em que abre os olhos. Nunca chegamos a conhecer o verdadeiro Elliot, apenas uma das personalidades dentro da sua cabeça.
Em Mr Robot, nunca sabemos o que é real do que não é. Essa é uma das particularidades que tornam esta narrativa tão única. Passamos a primeira temporada toda sem perceber que metade do que vemos é falso – ou, se não falso, incorreto. Vemos o mundo através dos olhos de Elliott; ao fim desses primeiros dez episódios, percebemos que estes olhos não são os mais confiáveis. Apenas vemos o que Elliot vê – e mesmo do que ele vê, apenas o que nos deixa ver.
Na segunda temporada acontece o mesmo. Vivemos com Elliot numa ilusão, numa fachada cuidadosamente construída para o proteger de si próprio. Apenas nos últimos episódios é levantado esse véu. Apesar de já termos aprendido a lição e sabermos que o jovem Alderson não é a testemunha mais precisa da própria vida, somos novamente apanhados de surpresa e ficamos, mais uma vez, maravilhados com o génio de Sam Esmail.

Mas é na terceira temporada que o génio de Sam Esmail começa a atingir o seu pico. Elliot passa a viver num estado em que as personalidades dentro da sua mente tomam controlo à vez, em vez de coexistirem como antes – e que a maior parte das vezes não têm sequer consciência do que se passa quando a outra personalidade está a controlar.
Paralelamente, é na terceira temporada que Mr Robot prova que a inovação que ia trazer ao mundo das séries é uma autêntica revolução. Fã de planos fantásticos, fotografia perfeita e movimentos de câmara soberbos, Sam Esmail consegue levar a produção da série ainda mais além. Um dos episódios é feito no formato de take único. Apesar de sabermos pelo próprio Sam que não se trata efetivamente de um take único, o planeamento e a construção estão tão perfeitos que nunca repararíamos nesse facto. O episódio seguinte é construído como uma luta contra o tempo, inovando também em diversos aspetos.
A quarta temporada atinge um novo pico – o último. No primeiro episódio vemos a personagem a morrer e a ser ressuscitada. No segundo descobrimos que existe uma personalidade para lá das duas que já conhecíamos – ou que pensávamos conhecer: Elliot e o Mr Robot. O quinto é um episódio iniciado pela frase “Não temos de falar, se não quiseres” e acaba com a frase “Chegou a altura de falarmos”, sendo o episódio mudo entre estes dois momentos. O sétimo é um dos – se não o melhor – episódios de sempre; construído na forma de uma peça teatral, divido em atos que correspondem às fases do luto. E tudo isto com apenas um cenário, três personagens e dois figurantes. A representação de Rami Malek chega, aqui, a um novo nível de excelência. O nono episódio marca o fim de uma das linhas narrativas. E os quatro episódios finais deixam qualquer fã da série sentado na ponta do sofá, tal é o nível de suspense e de ansiedade criado.
A primeira frase de Mr Robot foi “hello, friend”. Quatro anos depois, despede-se com “hello, Elliot”. E despedimo-nos nós destas personagens que já consideramos amigos também, personagens que vimos evoluir, crescer e seguir o seu destino - quer este seja o que queríamos ou o que não sabíamos que queríamos, mas que Sam Esmail escolheu dar-nos. Goodbye, friend.

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