Utøya 22. juli, de Erik Poppe
- Sofia Matos Silva
- 22 de nov. de 2019
- 4 min de leitura
Atualizado: 13 de jan. de 2020
É o tipo de filme necessário. Necessário para que não se esqueça, necessário para honrar, necessário para que não volte a acontecer.

22 de julho de 2011. Passam dezassete minutos das três da tarde, hora local. Uma carrinha branca é vista a estacionar no quarteirão do Governo em Oslo. O condutor sai e afasta-se calmamente. Oito minutos depois, as câmaras de segurança captam a explosão, que mata 8 pessoas e fere pelo menos 209.
Cerca de hora e meia depois, a menos de 40 quilómetros a ocidente, Kaja fala com a mãe ao telemóvel. Assegura-lhe que não precisa de se preocupar, porque ela e a irmã mais nova estão na ilha e não poderiam estar mais seguras. Doze minutos depois, enquanto Kaja come waffles e conversa com os amigos, ouve os primeiros tiros. Rapidamente, a confusão dá lugar ao pânico.
Filmado num único take contínuo e com apenas uma câmara, o filme acompanha os 72 minutos do massacre na ilha de Utøya, a 22 de julho de 2011. Kaja, em vez de tentar esconder-se, arrisca-se pela floresta em busca da irmã, Emilie, que se encontrava na tenda no momento em que se inicia o ataque.

Do ponto de vista cinematográfico, este é o filme perfeito. Os planos estão bem conseguidos, o take único de 72 minutos confere enorme mérito a esta equipa, o jogo de cores e a produção são excelentes. Num filme em que se pretende contar a história das vítimas, do seu ponto de vista e na sua voz, é o mais realista possível. É um paradoxo, porque é incrivelmente difícil de assistir, mas impossível de parar a meio. O suspense e a adrenalina estão no máximo e o espetador fica com o sistema nervoso em alta do primeiro ao último segundo.
Produzido por Erik Poppe e com argumento de Anna Bache-Wiig e Rajendram Eliassen, conta com Andrea Berntzen (Kaja), Aleksander Holmen (Magnus), Brede Fristad (Petter) e Elli Rhiannon Müller Osbourne (Emilie) no elenco. O grupo de jovens atores consegue uma representação de excelência, em que a emoção está sempre ao de cima e é bem expressa. Um filme feito por noruegueses para o mundo inteiro, em contacto direto com sobreviventes do massacre. Já ganhou vários prémios e continuará, certamente, a ganhá-los.
Esta é uma longa metragem que, mais do que fazer sentir, faz-nos ficar perdidos em pensamentos. A intenção é dar voz a quem esta foi tirada prematuramente, sem qualquer piedade ou emoção. O atirador - do qual apenas se tem dois vislumbres ao longo do filme - é mantido na periferia, com o objetivo de lhe dar o menor destaque possível. Não é a sua história que se pretende contar. É a das 564 pessoas que se encontravam na ilha, a das 69 pessoas que morreram.

Este era um acampamento de jovens da AUF, a divisão juvenil do Partido Trabalhista Norueguês. Jovens inocentes, que queriam ser atores ou ministros, mas que agora nunca poderão deixar a sua marca no mundo, a não ser esta - o sangue na terra de uma pequena ilha e o nome em placas e memoriais. Utøya deixa-nos a pensar como é que isto foi possível, como é que todo este horror e toda a esta dor são justificáveis na cabeça de um indivíduo, como é que continuam a ocorrer ataques terroristas pelo mundo fora.
O filme recebeu algumas críticas, no sentido de se assemelhar a “um jogo de vídeo” e de a intenção - claramente percebida pelo envolvimento direto de sobreviventes - de repudiar a violência de extrema direita e os massacres com armas de fogo, e abordar o trauma com que os sobreviventes irão viver o resto dos seus dias, se perder na opção de realização, ficando o plano-sequência no primeiro lugar do pódio de destaque.
Não concordo com estas críticas. É um filme em que, sim, se fizeram escolhas invulgares que se destacam naturalmente. Mas este foi o melhor modo de realização possível para contar esta história. A luta pela sobrevivência, o terror, a incerteza, a confusão, o desespero por saber o que se passava com os familiares e amigos, o desejo de viver, o ódio à figura desconhecida que faz tal coisa, por motivos ainda mais desconhecidos. A dúvida de ser um polícia a disparar sobre eles. A dor de ver amigos mortos no chão. O caos de tentar sobreviver, enquanto se tenta proteger outros e não se sabe quem dispara, quantos são ou onde estão. Tudo isto está presente no filme, tudo isto é sentido pelas personagens e sentido pelo próprio espetador, que se perde no ecrã.
Não é o tipo de filme para se ver com a família toda numa tarde de domingo. Não é o tipo de filme leve que nos faça esquecer os próprios problemas. As personagens são fictícias, mas a voz é real, e saber que aquilo aconteceu a jovens iguais a nós atribui toda uma outra dimensão à longa metragem. Mas é o tipo de filme necessário. Necessário para que não se esqueça, necessário para honrar, necessário para que não volte a acontecer.

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