Web Summit 2019: O papel do género na tecnologia moderna
- Tiago Serra Cunha
- 6 de nov. de 2019
- 4 min de leitura
No segundo dia de conferências, duas das sessões dos palcos secundários foram inteiramente dedicadas à diversidade de género na tecnologia dos dias de hoje.

A importância da diversidade de género é cada vez mais preponderante, sendo uma das discussões que molda a sociedade atual. É por isso que, ao longo das várias sessões da Web Summit 2019, o tema surge associado às questões tecnológicas e empresariais.
Na manhã desta quarta-feira (6), o palco Future Societies recebeu Sue Allchurch, diretora de proximidade e alcance da United Nations Global Compact; Paige VanZant, lutadora na UFC; e Michelle Fang, diretora legal na Turo, numa conversa moderada por Dima Khatib, jornalista e a única executiva feminina na Al Jazeera.
A conferência serviu para tentar perceber de que forma é possível ultrapassar o gender gap e a desigualdade de género nos vários setores da sociedade. Ficou claro, mesmo antes de começar a discussão, que, apesar do progresso realizado nos últimos anos, a discrepância entre géneros é ainda “inaceitavelmente grande“.
As mulheres ainda recebem menos que os homens na mesma posição em muitos postos de trabalho, são menos promovidas e há poucos cargos superiores ocupados por elas em várias indústrias. Na visão das três convidadas, casos de sucesso incontornável, é preciso olhar para esta questão com seriedade e, no fundo, “ser-se exigente“.
Sue Allchurch diz que “lutar as mesmas batalhas mas receber menos do que um homem na mesma posição é injusto e não se trata de comparação. Trata-se, sim, de divisão“. É por isso que é necessário que se destaquem mulheres de sucesso que mostrem esta diferença; o problema é que “mesmo elas estão a receber menos que os homens” e é aqui que, no limite, se observa a necessidade de mudança.
Algo verificado, por exemplo, no caso de Paige VanZant. A lutadora da UFC reflete que o caso neste meio não mudou muito em relação há alguns anos. Apesar de uma maior abertura, para ser reconhecida pelo seu mérito precisa de se tornar “imprescindível” para a companhia e destacar-se totalmente face aos seus companheiros masculinos.
O preenchimento de quotas para atingir este patamar pode não ser a melhor solução, mas, tanto para Sue como para Michelle Fang, o cenário “não vai mudar sem quotas. Podemos ser positivos, mas sem elas não vai mudar“. A esperança para ambas as empresárias é que, “ao estabelecer determinadas quotas, mulheres e também pessoas de cor podem ocupar estas posições, tendo estas oportunidades. Quando atingirem sucesso, trazem pessoas atrás de si e mostram que é realmente possível“.

Independentemente da estratégia utilizada, deve ser feito um “balanço consciente“, de forma a “quebrar a corrente“. 50/50 é o balanço de género justo que as três mulheres querem ver ser implementado em todos os setores da sociedade.
A inteligência artificial é sexista?
No palco Deep Tech, também situado na FIL, a discussão sobre a igualdade de género estendeu-se para outra temática. Saniye Gülser Corat, diretora para a igualdade de género na UNESCO, expôs as suas visões sobre o sexismo na tecnologia aplicada à inteligência artificial.
Esther Paniagua, jornalista do El País, começou por introduzir uma convidada surpresa: a própria Siri, uma das mais famosas assistentes inteligentes. A resposta é negativa, mas Saniye não concorda totalmente. Só que, para a executiva, o problema não está nos próprios sistemas, mas sim na sua programação.
“A tecnologia é produzida por nós, por isso reflete os nossos valores e preconceitos“. Assim, a eventual falta de diversidade é um reflexo “de quem está a inserir estes dados“. “Como a participação feminina nestes setores ainda é pequena“, diz, referindo que no que toca à inteligência artificial menos de 10% são mulheres, “estes programas acabam por ser elaborados desta forma“.
Além disso, há normalmente uma distinção na utilização de diferentes vozes para estes sistemas operativos. Normalmente, as vozes são femininas, porque “reagimos mais facilmente a uma voz feminina“, mas estudos afirmam “que se pode obedecer melhor a uma masculina“. A diferença surge na sua finalidade: vozes femininas são muitas vezes usadas para tarefas mais “leves“, enquanto que outras masculinas acabam por surgir em contextos relacionados com guia e seriedade.
Esta distinção acaba por não ser, totalmente, um espelho das preferências dos consumidores. Ao invés, Saniye Gülser Corat considera que se trata de “uma reflexão dos nossos padrões tradicionais, inseridos diretamente na sociedade“.
Para colmatar esta questão de uma perspetiva inicial, deve ser oferecida ao consumidor a opção quanto ao género da voz que pretende ouvir, mesmo que esta seja totalmente artificial. Outra solução, mais certeira, pode ser a implementação de uma voz sem género definido, algo que já está a ser testado por várias companhias.
Para a resolução deste problema, é útil a mudança de perceção sobre a mulher na própria sociedade. Como exemplo, Corat explica que a Siri surge predefinida com uma voz masculina em quatro países, entre os quais o Reino Unido; isto deve-se “a um contexto em que há uma perceção do homem numa determinada situação“. Mesmo assim, a voz feminina continua a ser a predefinição destacada na maioria dos outros casos.
Numa altura em que “apenas 5% dos CEO na tecnologia são mulheres“, é preciso olhar para a problemática da diversidade e inclusão feminina no setor em si. Este é “o primeiro lugar para começar a fazer mudanças“, para que se reflitam depois. “Quanto mais diversas forem as vozes, melhor serão os produtos“.
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