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Analógico, Lomográfico ou Digital: "não é a câmara que faz a fotografia"

Atualizado: 13 de jan. de 2020

Atualmente, a comunidade fotográfica está a assistir ao processo inverso do resto do mundo: o regresso ao analógico. A imersão é tão profunda, que até surgem movimentos, como a Lomografia.


Fotografia: Sofia Matos Silva

Em 2019, estamos a viver o expoente máximo da tecnologia. No mundo da fotografia, nunca existiram câmaras com tanta capacidade e com produção de imagens com tanta qualidade como existem atualmente.


Paralelamente – ou paradoxalmente – nunca houve tanta gente a voltar atrás no tempo e a regressar ao analógico. Segundo o Relatório Anual da Eastman Kodak Company de 2018, a empresa registou 189 milhões de euros de lucro relativo a vendas de "Consumíveis e Filme".


As razões para esta inversão são variadas e mais emotivas do que racionais. Cansaço do digital? Exaustão pela perda do significado num mundo em que se produzem milhões de frames por segundo? Tentativa de recuperação da criação de imagens únicas, numa sociedade que parece ter tornado a fotografia em algo vulgar? Nostalgia, apenas?



Fotografia analógica


Para fotógrafos de todo o mundo – profissionais ou amadores – este divide-se em digital e analógico. No entanto, para a maior parte das pessoas, este é um mundo completamente desconhecido – o analógico já está há muito esquecido.


Na Máquinas de Outros Tempos - loja de fotografia situada bem no centro do Porto - a fotografia analógica é a personagem principal. Pedro Viterbo, fundador e dono da loja, explica um pouco em que consiste este tipo de fotografia.


“A fotografia analógica é fotografia química. Temos algo que é químico e que apenas funciona dessa maneira. Ou seja, é um processo que é o mais natural possível que existe. Nós não estamos a ir buscar informação digital, estamos a ir buscar aquilo que vemos todos os dias. Estamos a ir buscar o sol, a terra, todas as forças magnéticas que existem, para fazer uma fotografia. A fotografia analógica não é somente o ato de colocar um rolo ou ter uma câmara que seja de rolo, mas é toda uma grande envolvência”.


Para Pedro, o analógico “não é só aquele pequeno frame que fazemos e fica impregnado no negativo. É algo muito maior do que isso. E é algo muito maior do que o digital, em que aquilo fica ali gravado e só os nossos olhos veem e pronto, acabou. Nos ecrãs, tudo o que é digital, é feito para os nossos olhos. A imagem é projetada para os nossos olhos e acabou. Não existe, vá lá. E aqui existe. É algo físico.”


Com três palavras, resume a distinção entre digital e analógico: rolo, físico e sentimento. A fotografia química tem “o sentimento que é gerado para se fotografar, o tempo de espera, o bichinho que se tinha há 20 anos atrás e que, hoje em dia, com o digital, é tudo rápido, tudo instantâneo e pronto.”


Existem imenso tipos diferentes de câmaras. Podem ser compactas, ter fole, ser de formato maior ou menor, ter objetiva com boa qualidade ou não, alcançar diferentes tipos de velocidades e aberturas, fazer desfoque ou bokeh.


No entanto, Pedro desvaloriza este aspeto, considerando que “60% da fotografia tem a ver com o fotógrafo e não com a câmara. A câmara só ajuda a fazer algo mais; não é a câmara que faz a fotografia”.


“Filmes: aí já há mais diferenças”. Hoje em dia, apesar dos contínuos avisos (muitas vezes sem concretização) da descontinuação de películas, a verdade é que nunca existiram tantos e a criar tão variadas imagens. O dono da MOT destaca a sensibilidade à luz e o grão variado que cada filme tem, mas também as cores: “temos rolos para tons de pele, rolos para tons mais acastanhados ou avermelhados, rolos para fazer infravermelhos, rolos para fazer preto e branco, rolos para trocar as cores todas e ficar uma coisa estranhíssima”.

Fotografias tiradas com uma Yashica Electro 35 GX, recorrendo à técnica de exposições múltiplas. | Fotografia: Sofia Matos Silva



Lomography


A Sociedade Lomográfica Internacional foi fundada em Viena, na Áustria, mas a lomografia vem, na verdade, da Rússia Soviética.


Em 1982, o mundo estava em plena Guerra Fria. Entusiasta de fotografia e encantado por uma pequena máquina japonesa, o general russo Igor Petrowitsch Kornitzky, do Ministério da Indústria e da Defesa, deu ordens à empresa LOMO (Leningradskoye Optiko Mechanichesckoye Obyedinenie) que produzisse uma máquina pequena e fácil de usar. O objetivo era produzir câmaras baratas que permitissem ao povo russo documentar o modo de vida soviético, em jeito de propaganda.


Uma década depois, dois estudantes vienenses descobrem uma dessas máquinas Lomo enquanto passavam férias em Praga. A fama das fotografias únicas que conseguiam criar espalhou-se e, em pouco tempo, eram às centenas os jovens de Viena a procurar as Lomo.

Assim, em 1995, é fundada a Sociedade e a primeira Embaixada da Lomo. Neste ano, são escritas as 10 Regras Básicas da Lomografia – cuja regra principal é “não te preocupes com qualquer regra” – e o Manifesto Lomográfico.


Fotografias tiradas com uma Fisheye 2 e com uma Lomo'Instant, câmaras centrais nos modelos da Lomography. | Fotografia: Sofia Matos Silva


Hoje em dia, as Lomo são quase objetos de culto. A lomografia espalhou-se e é agora um movimento com peso dentro da fotografia analógica. Como em tudo na sociedade moderna, existe alguma rivalidade entre fotógrafos e lomógrafos.


As câmaras da Lomography são o mais simples possível. Feitas de plástico, prezam a criatividade e a construção de fotografias fora do comum. Tudo é válido, tudo é digno de valor e tudo merece a atenção de ser experimentado. Valorizando-se a criatividade e não a técnica, são câmaras do tipo “apontar e disparar”; da mesma forma, a Lomo produz filmes com os efeitos mais estranhos.


A Lomografia também já chegou a Portugal. A Embaixada da Lomography no Porto abriu em janeiro de 2015, mas fechou no primeiro mês de 2018. De momento, a Lomography reconhece quatro espaços no país: a loja "Forever Blue", em Aveiro, a "Imagem Fixa" de Coimbra, o estabelecimento "Arquivo - Bens Culturais" em Leiria e o "Capitão Lisboa", situado na capital.



“Tens uma panóplia de coisas que vão tornar a foto única”


Colódio húmido. Fotografia: Sofia Matos Silva

Ao contrário do processo digital, que “é apenas um”, existem imensos processos analógicos. “Tens a cianotipia, tens o colódio húmido, tens o daguerreótipo, tens a goma bicromatada, tens gumoil, tens a impressão em papel de gelatina, tens o papel salgado.” Mesmo apenas com câmaras analógicas, “consegue-se fazer exposições múltiplas, consegue-se fazer aquelas composições com oito ou com quatro objetivas. Consegue-se fazer tanta coisa.”


Interrogado sobre o porquê do analógico, Pedro diz que, “primeiro, é realmente fotografia, e não algo que estamos a gravar para um cartão. Segundo, por causa da magia de esperar e depois de ter as fotos e ser aquela euforia. Mesmo digitalizadas, têm outro sentimento, que a fotografia digital nunca vai ter. Tem o grão, tem as cores, tens uma panóplia de coisas que vão tornar a foto única, e é por isso que é diferente fotografar em analógico”.

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