Máquinas de Outros Tempos, no nosso tempo
- Sofia Matos Silva
- 14 de nov. de 2019
- 5 min de leitura
Atualizado: 13 de jan. de 2020
O mercado das lojas vintage está a crescer no Porto e a Máquinas de Outros Tempos é uma das principais lojas de fotografia. O Ponto e Vírgula esteve à conversa com o dono.

A Máquinas de Outros Tempos é um estabelecimento de artigos fotográficos na baixa da Invicta. A procura crescente nos últimos anos pela fotografia analógica tem permitido o crescimento da loja.
Pedro Viterbo, fundador e dono da MOT, conta-nos a sua odisseia. “Tudo começou porque, quando entrei para a faculdade, os meus pais disseram-me que, infelizmente, não tinham dinheiro para me manter lá. Então tive que começar a trabalhar. Uma das formas que eu arranjei para ganhar dinheiro foi a vender um pouco de tudo em feiras”.
Acabada a Licenciatura em Educação Social, andou um ano à procura de um emprego na área. Enquanto procurava, continuou a fazer feiras e a vender antiguidades, até que decidiu abrir uma loja e “tentar fazer algo mais”.

Assim, a 5 de março de 2011 nasce a Máquinas de Outros Tempos. Máquinas e não Câmaras, porque na altura ainda vendia outras coisas. A rua sempre foi a dos Mártires da Liberdade, mas o estabelecimento inicial era mais pequeno.
“Comecei a ver que o que mais saía era o artigo fotográfico, então comecei a investir mesmo no artigo fotográfico”. O aumento de clientes permitiu-lhe mudar-se para um espaço ao lado, com mais espaço. “Aí começou a expansão da loja. Começou a ter muito mais material, o laboratório em si também cresceu… completamente diferente.”
O laboratório, um dos principais motivos de os amantes de fotografia e deslocarem à MOT com regularidade, revela e digitaliza películas. “Quando abri o laboratório, tinha um scanner de nojo e um portátil pequenino - e aquilo não era mau, era terrível.” Oito anos depois, tudo mudou. “Tenho 15 scanners ali a funcionar todos os dias. Completamente diferentes, estupidamente melhores.”
De há dois anos para cá, também faz impressão 3D de objetos como “peças para câmaras, tampas e acessórios”. Também o faz para outras entidades – “por exemplo, o que eu estava a fazer ainda agora era uma peça para o CPF [Centro Português de Fotografia], um acessório para digitalizar.”
Iniciativas, produtos e previsões de futuro
Os “artigos fotográficos e cinematográficos vintage” que a MOT vende vão desde câmaras fotográficas e de filmar a diversos tipos de filmes e películas. Os acessórios também estão presentes, como objetivas, sacos, filtros, porta chaves e fitas. Também há utensílios necessários à revelação, ampliadores e projetores.
Para manter o dinamismo, Pedro faz questão de organizar workshops todos os meses, assim como palestras e passeios fotográficos. Após o Mercado Low Cost que dinamizou no sábado e que lhe “limpou” a loja, já pensa no Natal e entretém-se a desenhar bolinhas de natal (com câmaras analógicas, claro) em madeira, para depois fazer impressão 3D. “A idiotice não tem limites. É querer sempre mais e estar sempre com a cabeça cheia de coisas. Às vezes têm fruto, outras vezes não, mas a idiotice é sempre muito grande”, brinca.
Quando se fala do futuro, a palavra que imediatamente lhe ocorre é “incerto”. “Por um lado, temos marcas a deixar de fabricar filme; por outro, temo-las a fabricar na mesma, e até a trazer filmes de volta. Uma pessoa anda aqui um bocadinho na corda bamba.”
Espera que a marca Máquinas de Outros Tempos consiga durar. “O meu target é, pelo menos, mais 5 anos, mas queria que fosse bem mais do que isso. Andamos um bocadinho ao sabor da maré. Se continuar a haver filme – e se continuar a haver procura - vai continuar a haver marca. Se de um dia para o outro deixar de haver filme, vai ser um bocado complicado. Não havendo filme, não faz sentido.”
A breve incursão pela Lomografia
Em dezembro de 2015 surgia a nova Embaixada Lomográfica do Porto. Dois anos e uns dias depois, a loja irmã da MOT fecha.
Pedro fala brevemente sobre o assunto. “Por um lado, a Lomo foi uma ajuda, para ter mais produtos e atrair outro tipo de público.”
Durante os últimos anos, o público da loja foi-se diversificando. “Tens desde aquele pessoal que quer andar com uma câmara só porque sim, até fotógrafos profissionais. Tens quem seja obrigado a ter uma câmara analógica para a escola, e que vai chegar ao fim da cadeira e cagou no assunto. Tens o revivalista, que quando tinha a nossa idade - 20, 30 anos - não tinha dinheiro para ter a câmara e agora já é mais velho e quer ter a que gostaria de ter na altura, ou que a teve e quer voltar a ter. Tens colecionadores, também.”
Mas, por outro lado, “a Lomo foi uma desajuda. Se não tivesse aberto a Lomo, se calhar tinha aberto uma loja em Lisboa, ou em Espanha, que era o que eu mais queria. Tinha dado para outro campo, que ficou um bocado parado por causa daquilo. E talvez essa não tivesse fechado.”
Separados pelo balcão, unidos pelo bichinho da fotografia
Num negócio em que os clientes mais assíduos e com dedo irrequieto quando chega a hora de disparar voltam todas as semanas, as linhas entre vendedores e compradores esbatem-se. A magia da fotografia analógica une todos, originando uma contínua teia de troca de ideias e opiniões, experiências e novidades.

Pedro Torres terminou o Mestrado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores este ano; agora, passou de fotógrafo automóvel nas horas vagas a fotógrafo regular do Jornal dos Clássicos. Visita regularmente a loja, à qual se mantém fiel e da qual diz nunca ter tido “razões de queixa”.
Quando se fala de fotografia de rolo, as pessoas destacam logo o dinheiro que se gasta -“desnecessariamente”, aos olhos de muitos, quando hoje em dia até com o telemóvel se tiram boas fotografias.
Partilhando da opinião oposta, Pedro afirma que “numa fase inicial, foi mais por uma questão de economia, uma vez que consigo a qualidade de uma boa digital por um preço muito inferior. Posteriormente, comecei a dar muito valor à simplicidade de uma máquina analógica, sem dezenas de menus de definições. Para além disso, creio que é um formato intemporal.”
Considera, até, que “investir em analógico é uma decisão sensata”. “Não penso que seja um formato ultrapassado. Se pensarmos bem, grande parte das fotografias que hoje conhecemos como sendo das melhores de sempre, foram tiradas em analógico. A história do digital é muito recente, e um dos principais objetivos das marcas é tentar replicar as cores dos melhores rolos. O digital é a forma fácil, o analógico a verdadeira”.
Quando interrogado sobre a magia do analógico, dá uma resposta semelhante à do seu homónimo. “Não acontece só no momento em que recebo as fotografias do laboratório. Começa quando olho pela primeira vez pelo viewfinder para compor uma fotografia. O desafio que as condições de luz impõem e o que as características de cada filme exigem. O facto de a imagem que resulta não ser fruto de um algoritmo informático, mas sim da reação química entre a luz e as diferentes camadas do rolo”.
O anfitrião da MOT admite que não consegue encontrar um sentimento para a fotografia analógica, porque “nunca poderia ser só um, são vários”. Cabe a cada um descobrir quais são.
Fotoreportagem de Sofia Matos Silva.
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